MUXUANGO - Personagem do antigo sertão São Joanense - RJ


(Pesquisa sobre o artista Percy Lau)
O "MUXUANGO" é um tipo rústico da planície de restingas encontradiço entre a população rural da costa e da baixada fluminense.
De acordo com Alberto Lamego Filho, que o estudou, sobretudo no livro intitulado Na Planície do Solar da Senzala, (Livraria Católica, Rio de Janeiro, 1934, pp. 101-107) o "muxuango" vive disperso tanto nos areais que cobrem o trecho costeiro situado aquém e além da foz do Paraíba do Sul, quanto na zona ondulada do município de São João da Barra que lhe fica ao norte. Daí para o sul, o tipo pode ainda ser encontrado mais ou menos com as mesmas características até as proximidades da cidade de Barra de São João.
Em geral, o "muxuango" é um sitiante que não entra na massa do proletariado agrícola. A explicação do fato decorre da facilidade que o "muxuango" dispõe para entrar na posse de um sítio em vista do baixo custo das terras que são freqüentemente pobres sob o ponto de vista agrícola.
Como o solo em que trabalha é quase sem valia e devido, também à precariedade dos meios de transporte, as culturas empreendidas deixam de ser remuneradoras. Esta circunstância importante impele, então, o "muxuango" para outras atividades que se realizam completamente. Nesse sentido, o "muxuango" passa a executar trabalho de pesca e caça nas lagoas, sem prejuízo, porém, das pequenas plantações de abóboras e de variedades de mandioca, feitas, de ordinário, sobre as porções mais cultiváveis das terras disponíveis.
O gênero de vida peculiar do "muxuango" é completado por variada e expressiva atividade industrial rudimentar. Assim, tanto fabrica a farinha de mandioca, quanto aproveita o barro existente instalando olarias primitivas; tanto se dedica à indústria elementar de cestas, quanto se entrega ao preparo do peixe seco, salgado. O aspecto complementar do gênero de vida do "muxuango" completa-se finalmente, com a criação, que se realiza, em pequena escala, nos sítios dispersos pela planície das restingas.
Tirando proveito das possibilidades que o meio natural lhe oferece, o "muxuango" consegue levar até às feiras típicas, locais, os diferentes produtos recolhidos de suas modestas propriedades. É o que sucede particularmente em Gargaú localidade situada a noroeste de Atafona a uns dez quilômetros desta vila pertencente ao município de São João da Barra.
Com seu espírito de arguto observador, Lamego deu-nos em 1934, uma expressiva descrição da feira muxuanga de Gargaú. E escreveu: "A feira de Gargaú é um mostruário semanalmente aberto, uma completa exibição do seu labor. A afamada farinha é o principal produto. Mas também compra-se, vende-se e "breganha-se", do robalo fresco à tainha seca, animais de sela e corte, gamelas e gaiolas, sabiás da praia e papagaios, redes, juquiás, puçás, cestas, tipitis, jacas, arupemas e panelas de barro, esteiras e samburás, cordas e artefatos de couro".
Com seu estilo próprio o escritor transmite-nos o colorido especial que o "muxuango" imprime ao quadro da feira de Gargaú: "Por ali vaga o "muxuango" endomingado, num ambiente todo seu. Chega ao trote duro das "pulitanas" ou nas mesas dos carros de boi, arrastados horas a fio pelos areais. Vem de longe. Traja terno riscado e camisa de zefir. Colarinho, é luxo. Mesmo os de mais posse têm o andar sempre cansado de quem passou a vida arrastando perneiras, marchando sobre areias, clapotando em atoladiços".
No Dicionário da Terra e da Gente do Brasil, (4.a edião, vol. 164, série 5.a da Biblioteca Brasileira Comp. Editora Nacional, São Paulo, 1939, p. 283) Bernardino Joé de Sousa define "muxuango" como sinônimo de "caipira", "tabaréu", "mucuto" etc, usado sobretudo na zona de Campos dos Goitacases. E acrescenta que Valdomiro Silveira com este título publicou um livro de contos editado pela Livraria José Olímpio, Rio de Janeiro.
Realmente o ar tímido e arisco do "muxuango" é o de um caipira do interior do país. Lamego procura explicar que o "muxuango", "homem da costa largado a si numa terra improdutiva, a braços com o brejo, com a areia e com a vegetação raquítica, maranhosa e espinescente, esmorece numa luta estéril. Dia a dia, ano a ano, século a século involui. O espírito empaúla-se numa letargia de aborígine. A ambição desaparece. Diluem-se as idéias. Decresce a iniciativa. Cessa a combatividade. O ariano civilizado volta à selvajaria, acaipirando-se. É um vencido. A terra subjugou o homem. A impassibilidade topográfica como que produz a impassibilidade humana. Aumenta-lhe a apatia, a escassez de vitaminas na alimentação de paçoca, carne seca e peixe salgado. A face pálida e inexpressiva do "muxuango", côr das areias, revela a verminose, o paludismo e a anquilos-tomíase".
O "muxuango" é um tipo exclusivamente branco. Em geral é magro e de estatura variável. Os olhos são freqüentemente verdes ou azulados. Os lábios são finos e o nariz quase sempre reto. Lamego os considera como sendo dolicocéfalos, e neles verificou a abundância do tipo louro. A explicação da existência desse curioso tipo étnico, disperso pelas terras baixas, costeiras, do chamado norte fluminense, não seria fácil. O assunto caberia ser elucidado por especialistas outros que não geógrafos.
Embora a família "muxuanga" seja muito prolífera nem por isso a casa que ela ocupa é suficientemente ampla. Pelo contrário. A habitação é sempre pequena, baixa e de compartimentos acanhadíssimos. Quase sempre a casa é de côr branca e, muitas vezes isolada na solidão dos areiais. A cobertura de telhas ou de tabuinhas prevalece, entretanto, nos sítios dos "muxuangos" mais ricos, onde a engenhoca pode aparecer para imprimir algum dinamismo à monotonia freqüente das paragens em derredor. Todavia, nas encruzilhadas dos caminhos, as casas costumam juntar-se e, nesse caso, duas ou três, ou três ou quatro podem marcar a extensão da aglomeração "muxuanga" de resto sempre animada pela criançada loura de olhos claros e azulados. O desenho, de Percy Lau, procura apresentar, baseado em fotografias um aspecto da feira muxuanga de Gargaú.
Segundo a informação oral do geógrafo Lúcio de Castro Soares, o povoado de Ponta Grossa dos Fidalgos, à margem norte da lagoa Feia, representa bem o tipo da aglomeração urbana muxuanga. Aí os habitantes vivem sobretudo da pesca do robalo e praticam unicamente uma agricultura de subsistência. Alguns se dedicam à criação em pequena escala.

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