O DRAMA DO RIO ITABAPOANA: DO SÉCULO XVIII AO DNOS

Arthur Soffiati
Fonte:http://www.informeambientalbr.com.br
Pelo que se pôde concluir com o primeiro artigo da série, quando Manoel Martins do Couto Reis visitou a foz do Rio Itabapoana, não mais existia a Vila da Rainha, apenas seus escombros. Também ainda não havia o povoado de São Sebastião do Itabapoana, hoje Barra do Itabapoana.
Antes de cruzar o rio em direção a Salvador, a expedição do príncipe naturalista alemão Maximiliano de Wied-Neuwied, em fins de 1815, pousou na fazenda da Muribeca, também um dos nomes antigos do Itabapoana, que pertencera aos Jesuítas até sua expulsão do Império Português, em 1759, pelo Marquês de Pombal. Em 1815, a fazenda pertencia a quatro sócios. Para chegar a ela, a expedição de Maximiliano cruzou uma densa mata no Sertão das Cacimbas, conhecido também com Sertão de São João da Barra. As margens do Itabapoana eram emolduradas por esse tipo de floresta, classificada atualmente pelos cientistas como floresta atlântica estacional semidecidual (VELOSO, Henrique Pimenta; RANGEL FILHO, Antonio Lourenço Rosa e LIMA, Jorge Carlos Alves. Classificação da vegetação brasileira, adaptada a um sistema universal. Rio de Janeiro: Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1991).  
No seu diário de viagem, Maximiliano escreveu que Gutingute e Muribeca formavam a fazenda que tinha o segundo nome. Nela, havia cerca de trezentos escravos, com não mais que cinquenta trabalhando sob as ordens de um feitor português. Nas palavras do naturalista: "O trabalho é bastante árduo para os escravos; consiste principalmente em derrubar matas. Plantam-se mandioca, milho, algodão e um pouco de café. O Itabapoana, rio pequeno, corre perto de Gutingute, e, quando enche, inunda os campos (...) As grandes florestas das cercanias de Muribeca são habitadas por puris nômades, que nessas paragens e na extensão de um dia de jornada para o norte, se mantêm hostis." Nos arredores da fazenda, ele encontrou ariranhas, coletando uma delas, que já estava morta, porém com o corpo íntegro, para a sua coleção de animais (WIED-NEUWIED, Maximiliano de. Viagem ao Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1989).
Três anos depois de Maximiliano, o naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire cruzou o Rio Itabapoana, também na fazenda de Muribeca, em direção ao Espírito Santo. Ele reiterou as palavras do príncipe naturalista. Os dois naturalistas europeus notam o desmatamento da bacia, a expansão da agricultura, a presença de índios resistentes aos invasores, a escravidão e espécies animais extintas regionalmente. Desse conjunto, só restou a agricultura. A primeira fase da destruição da Bacia do Itabapoana se estende da experiência fracassada de Pero de Góis na Capitania de São Tomé à chegada dos jesuítas. A ação de Pero de Góis causou arranhões superficiais no ambiente. Foram ferimentos que cicatrizaram rapidamente. A segunda etapa compreende a atuação dos jesuítas, que transformaram a Fazenda da Muribeca num núcleo de conquista, imposição da cultura europeia aos índios e aos escravos negros e expansão do que se entendia então por civilização. Ela terminou com a expulsão dos integrantes da ordem em 1759.
A terceira fase coincide com o hidroviarismo que contagiou a população do norte/noroeste fluminense e sul capixaba. Vários canais de navegação foram abertos a altos custos, todos eles articulados ao Paraíba do Sul. Esta febre grassou na primeira metade do século XIX. Foram abertos, a altos custos, o Canal Campos-Macaé, ligando os Rios Paraíba do Sul e Macaé, o Canal de Cacimbas, aproveitando o Brejo de Cacimbas e ligando a margem esquerda do Paraíba do Sul à Lagoa do Macabu, no então Sertão de São João da Barra, o inacabado Canal do Nogueira, que pretendia ligar a margem esquerda do Paraíba do Sul à Lagoa do Campelo, mas só conseguiu chegar à Lagoa Brejo Grande, e o Canal da Onça, ligando a margem esquerda do Rio Paraíba do Sul ao Rio da Onça, passando pela lagoa do mesmo nome (SOFFIATI, Arthur. Os canais de navegação do século XIX no Norte Fluminense. Boletim do Observatório Ambiental Alberto Ribeiro Lamego nº 2 (Edição Especial). Campos dos Goytacazes: CEFET Campos, jul/dez 2007). Concebeu-se também um canal no Rio Itabapoana, saindo dele, contornando um trecho revolto do rio e voltando a ele em trecho mais sereno. Parece que ele não recebeu nome, mas figura em vários mapas da Província do Rio de Janeiro. Ele está no mapa da província que integra o Atlas do Império, de  Candido Mendes de Almeida, o primeiro do gênero no Brasil (MENDES, Candido. Atlas do Império do Brazil – 1868. Rio de Janeiro: Arte e História, 2000).  
Figura 1- Em azul, canal projetado na margem direita do Rio Itabapoana e nunca construído.
Mapa da Província do Rio de Janeiro. Atlas do Império. Candido Mendes de Almeida, 1868.
Em livro publicado em 1870, o geólogo canadense Charles Frederick Hartt estudou a foz do Rio Itabapoana e registrou nela um braço do lado direito sugerindo um delta. A sugestão seria quase confirmada se Hartt examinasse a margem esquerda, no Espírito Santo, onde também existe um braço que sai da foz, mas não chega mais ao mar, como, de resto, o braço da margem esquerda também não chega (HARTT, Charles Frederick. Geologia e geografia física do Brasil. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1941). Embora nenhum canal de navegação atingisse a Bacia do Itabapoana, a foz do rio fui usada para abrigar as embarcações de médio calado da Companhia de Navegação Simão Mansur.
Figura 2- Barco pesqueiro ancorado na foz do Rio Itabapoana. Foto Vera Mansur
Com o advento do ferroviarismo, começa a quarta fase de incorporação da Bacia do Itabapoana ao processo de globalização. Os canais de navegação foram sendo abandonados progressivamente. O trem era um meio de transporte mais eficiente para o açúcar e demais produtos rurais. O tronco que atendeu a produção agro pecuária e industrial da Bacia do Itabapoana estendia-se de Campos a Cachoeiro do Itapemirim e foi construído pela Estrada de Ferro Carangola em 1877/1878. Em 1890, a empresa foi compradas pela Estrada de Ferro Barão de Araruama e vendida no mesmo ano para Leopoldina. A esse tronco ligavam-se ramais particulares. 
Figura 3- Antigo mapa assinalando a estrada de ferro do litoral,
que cruzou o Rio Itabapoana acima da Limeira.
A modernização da produção de açúcar com os engenhos centrais e a usinas levou ao fim dos pequenos engenhos. Aumentando a produtividade dessas novas unidades produtivas, no fim do século XIX e princípio do século XX, passaram elas a requerer mais áreas para o plantio de cana. A região mais cobiçada foi a planície aluvial da margem direita do Rio Paraíba do Sul, que, além do mais, era periodicamente, lavada por enchentes devastadoras do meio rural. Várias comissões de saneamento foram criadas pelos governos imperial e republicano, provincial e estadual, mas nenhuma conseguiu realizar a tarefa de drenar áreas e incorporar terras à indústria açucareira. Então, em 1933, o governo forte e centralizador criou a Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense. A primeira providência tomada foi a reunião de todos os estudos e projetos das comissões anteriores, resultando no relatório Saneamento da Baixada Fluminense, redigido pelo engenheiro Hildebrando de Araújo Góes. Ele priorizou as Baixadas dos Goytacazes, da Região dos Lagos, da Baía de Guanabara e da Baía de Sepetiba. Não que o Rio Itabapoana, nessa visão de canalização e drenagem, não apresentasse problemas para a agropecuária. Contudo, eles podiam esperar mais tempo. A Comissão de Saneamento começou a operar em 1935, e seus trabalhos obtiveram tanto êxito que, em 1940, ela foi sucedida pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), com atuação  em todo o território nacional. Em 1950, a estrutura de drenagem no lado direito do Paraíba do Sul estava praticamente montada. Na margem esquerda, as intervenções, à princípio, foram tímidas. A hora e a vez do Rio Itabapoana iam chegar no devido tempo.
Figura 4- Rede de canais construída até 1950 pela Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense e pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento até 1950. Notar o grande número de canais na margem direita do Paraíba do Sul
e o pequeno número deles na margem esquerda. As obras ainda não haviam atingido o Rio Itabapoana (Mapa do DNOS)
Figura 5- Ruínas da fábrica de farinha Tipity. Foto do autor
Enquanto o DNOS não chega para inaugurar a quinta fase, a Bacia do Itabapoana assistiu a um processo de desmatamento e de erosão de seus rios, de avanço progressivo de lavouras, pastos e urbanização. As transformações provocadas por estas mudanças causaram poluição por insumos químico de atividades rurais e esgoto pelas cidades. Em janeiro de 1940, o Barão austríaco Ludwing Kummer, associando-se a Aurélio Faccioli Grimani, inaugura a fábrica de farinha Tipity, que concorreria com a tradicional fabricação caseira de farinha de mandioca com bolandeiras.

Figura 6- Ocupação da Bacia do Rio Itabapoana

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